Exibição do vídeo "A Fibra do Papel"
de Ernani Ferraz e Inês Cavalcanti na Galeria de Arte Sesc Tijuca , Sesc Niterói, Sesc Friburgo
Exposição de Gravuras: Metal & Madeira
Galeria de Arte Sesc Tijuca
Apresentação de Rogério Luz
1990
___Quando criei esta Oficina fiquei com muitos pudores - não sei se essa é exatamente a palavra. Não queria que ninguém se mostrasse influenciado pelo que eu fazia e preferi deixar as minhas antiguidades guardadas para o momento certo. Esta é a minha terceira exposição junto aos meus alunos e acho que agora cada um já encontrou seu próprio caminho, sua linguagem específica - diz Heloisa
Foto de Marcos Issa O Globo - 04/12/1990
Fazer
o seu ofício * Rogério Luz
Oficina, s.f. (fig.) Lugar em que se
opera transformação notável. (Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo de Língua
Portuguesa.
Trabalhar com arte tornou-se, no Brasil,
uma tarefa histórica urgente. Na produção artística, proliferam as diferenças:
são elas que figuram para onde, como povo, desejamos prosseguir. Se quiser
sobreviver, a sociedade brasileira deve buscar não a mesmice da identidade
cultural mas a experiência social da diversidade e um imaginário ecumênico. A
terra habitada pelo homem é, hoje toda a terra.
O incentivo a este trabalho com arte é
fundamental: trata-se de nosso destino que se singulariza em cada artista e,
por isso mesmo, ganha cidadania do mundo.
A iniciativa particular tem, neste
trajeto, uma função a desempenhar, da qual se desincumbe geralmente através do
patrocínio que viabiliza a circulação da arte e, mais especificamente,, sua comercialização. Mas as tarefas propriamente culturais
necessárias ao desenvolvimento do
nosso
povo são de tal monta que não se podem reduzir – sob pena de irresponsabilidade
social – ao parâmetro que rege a rentabilidade de mercadorias, serviços e
imagens de marca. Essa redução, tentação de todo patrocínio, e um aspecto da
crise da cultura que afeta as sociedades submetidas à lógica do
binóculo/consumo.
Ora,
quando uma entidade empresarial de classe, como o Sesc, instala e subvenciona
uma Oficina de Gravura é preciso pensar no que isso implica, nos benefícios e
riscos de tal iniciativa.
Através de uma atividade educativa, o
sentido generoso da expressão, o Sesc não pretendeu apenas patrocinar uma
atividade ou gerar um circuito de trocas, mas si, e é isso que mais importa,
promover a produção da cultura. Esta a noção fundamental: o apoio à produção,
sem retorno imediato. Em um núcleo de trabalho como a Oficina, aguça-se a
sensibilidade visual e almeja-se a qualidade gráfica, ao abrigo das pressões
imediatas do mercado. É o equivalente das equipes de pesquisa fundamental em
ciências humanas. A Oficina contribui, no seu âmbito de atuação, para a
superação de nossas carências na leitura
e compreensão da linguagem imagética, linguagem predominante no modo de vida
urbano articulado pela mídia.
Mas não se corre o risco de ver esse
apoio, parta ele do empresário isolado ou de associações de classe,
transformando-se em um novo dirigismo, segundo injunções de mercado e de um
equivocado gosto médio que desdenha as exigências e os rigores de quem efetua
o pensamento através da imagem?
Quanto a isso, ressalte-se o acerto da
escolha, para a orientação da Oficina, de artistas com reconhecida presença na
área de artes plásticas, depositárias de uma tradição da gravura e do desenho.
Não cabe aqui historiar o movimento que
fez ressurgir a gravura no Brasil, mas é impossível ignorar que tal movimento
criou uma tradição. Pensa-se a cultura, por vezes, em termos exclusivos de
emergência do novo, mas ela se faz em continuidades e rupturas a partir do solo
de tradições vivas. A Oficina se inscreve no prolongamento dessa tradição da
gravura brasileira, que ela ao mesmo tempo perpetua e renova.
Evidencia-se, desta forma, a necessidade
do estabelecimento e da continuidade de linguagens de tradução cultural que
possam resistir à crítica leviana e a sucessão de modismos, aos quais nossas
elites são, pela própria condição dependente dos centros culturalmente
hegemônicos, tão permeáveis. O apoio do Sesc ao ensino e à produção da arte da
gravura dá exemplo de como inserir-se responsavelmente em uma linha de atuação
cultural e o faz porque pode contar com os artistas que dirigem a Oficina, nela
ministram cursos, nela trabalham.
Não se escaparia ao risco de dirigismo
cultural se outra fosse a orientação dada ao trabalho quotidiano da Oficina.
O que a presente exposição testemunha não
é tão-somente a liberdade de que gozam a direção e os mestres da Oficina no seu
encaminhamento, mas a liberdade com que os artistas atuantes conceituam e
desenvolvem suas própria expressão, através do progressivo domínio dos meios
técnicos. Firmou-se uma forma de operar que não impõe estilos de escolas nem
tendem a defender interesses grupais, o que, em nosso país, deve surpreender.
Daí decorre uma diversidade de olhares: figura e abstração, expressão do
sentimento e geometrização da forma, ênfase na matéria ou no conceito.
Confronto paciente entre obras em processo de mutação e crescimento, algumas
com definição perfil, outras procurando caminhos. Irregularidade, sim, deste
percurso que é a própria aventura da arte.
Heloisa Pires Ferreira e Anna Carolina
têm uma participação exemplar, o sentido de resumirem, através de obras menos
recentes, suas propostas de base. Heloisa reafirma uma concepção que alia o
espaço lírico ao rigor da técnica e da forma. Anna, e xilo se põe a serviço das
relações entre ícone e verbo, sintetizadas no conceito esquemático de um
sentimento.
Com o intuito de convidar cada espectador
da atual mostra a elaborar sua própria maneira de ver, apresento adiante
brevíssimos indicadores de leitura sobre os artistas presentes.
Trabalhando com a repetição de objetos e
espaços quaisquer, o rico nervoso de Mario Orlando cria, no pequeno formato,
dimensões de monumentalidade.
A tradição expressionista, em que
objetos, lugares e climas a um tempo se estranham e se confundem, Abraão
Debrito acrescenta humor e movimento, no desarranjo de suas máquinas urbanas.
Os fragmentos de corpo, no trabalho de
Paulo Casar Rocha, em busca de elegância e de silêncio, tendem ao plano e à
curva rigorosa em texturas sutil.
Liege Nascimento usa o papel artesanal
não como suporte, mas como componente dinâmico de uma poética que reúne
geometria e natureza, na linha de primitivas culturas.
Jogando com abertura de plano que a cor
ou a perspectiva estimulam, Inês Cavalcanti recupera o olhar sobre o cotidiano.
Rosi Orsi, através de uma técnica
apurada, figura a mulher, como em
recorte, entre o próprio corpo e o olhar do outro.
Ao investigar a intimidade de cada
objeto, até a perda da identidade, Irmgard descobre estruturas prestes a
eclodirem no tempo.
Na ideia de série e repetição, Teresa da
Rocha explora a incisão da cor para além do efeito decorativo do friso.
Luís Caillaud na raiz negra e popular um
princípio de tensão entre puras forças e uma ordem formal.
Leão de Alencar trabalho o metal e a
madeira para, no diálogo entre eles, liberar o traço e alcançar um modo
superior de expressão organizada.
Em sua pesquisa descritiva e
documentária, Armando Carvalho Pereira descobre o poder simbólico das texturas
do vegetal e de suas disposições no espaço.
É dessa maneira que a arte, campo de
experiência possível, vai sendo assumida pela Oficina em suas certezas e
fragilidade. Aposta-se na promessa de
que o exercício esteticamente livre, mas disciplinado – a “liberdade no sensível”
de que nos fala, ainda no século dezoito, o dramaturgo e pensador alemão
Schiller – é capaz de inventar uma realidade compartilhada que recupere o olhar
e a imagem para novas maneiras de ser e de viver insubmissa à barbárie com que
nos ameaça um mundo consumista, poluidor e nuclearizado. Desde já, essa aposta está
ganha.
Rogério
Luz*
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Rogério
Luz é artista plástico e professor da Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Galeria de Arte Sesc Tijuca
04 a 27 de dezembro