Filme "Gravando"
História da Gravura no Brasil
Produzido em 1990 por Sonia Garcia na TVE
Antonio Carlos Rocha comenta sobre a publicação no jornal A Razão.
Gravura em metal: buril e ´ponta seca - 1989 - 16,50 x 19,50
Exibição do vídeo "A Fibra do Papel"
de Ernani Ferraz e Inês Cavalcanti na Galeria de Arte Sesc Tijuca , Sesc Niterói, Sesc Friburgo
Exposição de Gravuras: Metal & Madeira
Galeria de Arte Sesc Tijuca
Apresentação de Rogério Luz
1990
___Quando criei esta Oficina fiquei com muitos pudores - não sei se essa é exatamente a palavra. Não queria que ninguém se mostrasse influenciado pelo que eu fazia e preferi deixar as minhas antiguidades guardadas para o momento certo. Esta é a minha terceira exposição junto aos meus alunos e acho que agora cada um já encontrou seu próprio caminho, sua linguagem específica - diz Heloisa
Foto de Marcos Issa
O Globo - 04/12/1990
Fazer o seu ofício * Rogério Luz
Oficina, s.f. (fig.) Lugar em que se opera transformação notável. (Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo de Língua Portuguesa.
Trabalhar com arte tornou-se, no Brasil, uma tarefa histórica urgente. Na produção artística, proliferam as diferenças: são elas que figuram para onde, como povo, desejamos prosseguir. Se quiser sobreviver, a sociedade brasileira deve buscar não a mesmice da identidade cultural mas a experiência social da diversidade e um imaginário ecumênico. A terra habitada pelo homem é, hoje toda a terra.
O incentivo a este trabalho com arte é fundamental: trata-se de nosso destino que se singulariza em cada artista e, por isso mesmo, ganha cidadania do mundo.
A iniciativa particular tem, neste trajeto, uma função a desempenhar, da qual se desincumbe geralmente através do patrocínio que viabiliza a circulação da arte e, mais especificamente,, sua comercialização. Mas as tarefas propriamente culturais necessárias ao desenvolvimento do
nosso povo são de tal monta que não se podem reduzir – sob pena de irresponsabilidade social – ao parâmetro que rege a rentabilidade de mercadorias, serviços e imagens de marca. Essa redução, tentação de todo patrocínio, e um aspecto da crise da cultura que afeta as sociedades submetidas à lógica do binóculo/consumo.
Ora, quando uma entidade empresarial de classe, como o Sesc, instala e subvenciona uma Oficina de Gravura é preciso pensar no que isso implica, nos benefícios e riscos de tal iniciativa.
Através de uma atividade educativa, o sentido generoso da expressão, o Sesc não pretendeu apenas patrocinar uma atividade ou gerar um circuito de trocas, mas si, e é isso que mais importa, promover a produção da cultura. Esta a noção fundamental: o apoio à produção, sem retorno imediato. Em um núcleo de trabalho como a Oficina, aguça-se a sensibilidade visual e almeja-se a qualidade gráfica, ao abrigo das pressões imediatas do mercado. É o equivalente das equipes de pesquisa fundamental em ciências humanas. A Oficina contribui, no seu âmbito de atuação, para a superação de nossas carências na leitura e compreensão da linguagem imagética, linguagem predominante no modo de vida urbano articulado pela mídia.
Mas não se corre o risco de ver esse apoio, parta ele do empresário isolado ou de associações de classe, transformando-se em um novo dirigismo, segundo injunções de mercado e de um equivocado gosto médio que desdenha as exigências e os rigores de quem efetua o pensamento através da imagem?
Quanto a isso, ressalte-se o acerto da escolha, para a orientação da Oficina, de artistas com reconhecida presença na área de artes plásticas, depositárias de uma tradição da gravura e do desenho.
Não cabe aqui historiar o movimento que fez ressurgir a gravura no Brasil, mas é impossível ignorar que tal movimento criou uma tradição. Pensa-se a cultura, por vezes, em termos exclusivos de emergência do novo, mas ela se faz em continuidades e rupturas a partir do solo de tradições vivas. A Oficina se inscreve no prolongamento dessa tradição da gravura brasileira, que ela ao mesmo tempo perpetua e renova.
Evidencia-se, desta forma, a necessidade do estabelecimento e da continuidade de linguagens de tradução cultural que possam resistir à crítica leviana e a sucessão de modismos, aos quais nossas elites são, pela própria condição dependente dos centros culturalmente hegemônicos, tão permeáveis. O apoio do Sesc ao ensino e à produção da arte da gravura dá exemplo de como inserir-se responsavelmente em uma linha de atuação cultural e o faz porque pode contar com os artistas que dirigem a Oficina, nela ministram cursos, nela trabalham.
Não se escaparia ao risco de dirigismo cultural se outra fosse a orientação dada ao trabalho quotidiano da Oficina.
O que a presente exposição testemunha não é tão-somente a liberdade de que gozam a direção e os mestres da Oficina no seu encaminhamento, mas a liberdade com que os artistas atuantes conceituam e desenvolvem suas própria expressão, através do progressivo domínio dos meios técnicos. Firmou-se uma forma de operar que não impõe estilos de escolas nem tendem a defender interesses grupais, o que, em nosso país, deve surpreender. Daí decorre uma diversidade de olhares: figura e abstração, expressão do sentimento e geometrização da forma, ênfase na matéria ou no conceito. Confronto paciente entre obras em processo de mutação e crescimento, algumas com definição perfil, outras procurando caminhos. Irregularidade, sim, deste percurso que é a própria aventura da arte.
Heloisa Pires Ferreira e Anna Carolina têm uma participação exemplar, o sentido de resumirem, através de obras menos recentes, suas propostas de base. Heloisa reafirma uma concepção que alia o espaço lírico ao rigor da técnica e da forma. Anna, e xilo se põe a serviço das relações entre ícone e verbo, sintetizadas no conceito esquemático de um sentimento.
Com o intuito de convidar cada espectador da atual mostra a elaborar sua própria maneira de ver, apresento adiante brevíssimos indicadores de leitura sobre os artistas presentes.
Trabalhando com a repetição de objetos e espaços quaisquer, o rico nervoso de Mario Orlando cria, no pequeno formato, dimensões de monumentalidade.
A tradição expressionista, em que objetos, lugares e climas a um tempo se estranham e se confundem, Abraão Debrito acrescenta humor e movimento, no desarranjo de suas máquinas urbanas.
Os fragmentos de corpo, no trabalho de Paulo Casar Rocha, em busca de elegância e de silêncio, tendem ao plano e à curva rigorosa em texturas sutil.
Liege Nascimento usa o papel artesanal não como suporte, mas como componente dinâmico de uma poética que reúne geometria e natureza, na linha de primitivas culturas.
Jogando com abertura de plano que a cor ou a perspectiva estimulam, Inês Cavalcanti recupera o olhar sobre o cotidiano.
Rosi Orsi, através de uma técnica apurada, figura a mulher, como em recorte, entre o próprio corpo e o olhar do outro.
Ao investigar a intimidade de cada objeto, até a perda da identidade, Irmgard descobre estruturas prestes a eclodirem no tempo.
Na ideia de série e repetição, Teresa da Rocha explora a incisão da cor para além do efeito decorativo do friso.
Luís Caillaud na raiz negra e popular um princípio de tensão entre puras forças e uma ordem formal.
Leão de Alencar trabalho o metal e a madeira para, no diálogo entre eles, liberar o traço e alcançar um modo superior de expressão organizada.
Em sua pesquisa descritiva e documentária, Armando Carvalho Pereira descobre o poder simbólico das texturas do vegetal e de suas disposições no espaço.
É dessa maneira que a arte, campo de experiência possível, vai sendo assumida pela Oficina em suas certezas e fragilidade. Aposta-se na promessa de que o exercício esteticamente livre, mas disciplinado – a “liberdade no sensível” de que nos fala, ainda no século dezoito, o dramaturgo e pensador alemão Schiller – é capaz de inventar uma realidade compartilhada que recupere o olhar e a imagem para novas maneiras de ser e de viver insubmissa à barbárie com que nos ameaça um mundo consumista, poluidor e nuclearizado. Desde já, essa aposta está ganha.
Rogério Luz*
· Rogério Luz é artista plástico e professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Galeria de Arte Sesc Tijuca
04 a 27 de dezembro
6 anos de Oficina
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