terça-feira, 29 de outubro de 2024

2024 - 22º Curso de Preservação de Acervos Fundação Biblioteca Nacional- Filme de um uma hora: Gravando, produzido por Sonia Garcia e o Vídeo A Fibra do Papel produzido por Inês Cavalcanti e Ernani Ferraz

 

Palestra: Alinhavando o tempo – Reflexão de Heloisa Pires Ferreira sobre o convívio com a GRAVURA e o BORDADO CRIADOR.

Heloisa sorteou a gravura em metal 18/40, em buril - Nascimento do Sol - entre os presentes.

Palestra: Youtube:   https://drive.google.com/file/d/1JKnfcJ4hCOKqDBqOBPzO0R7BEgGC2dg8/view?usp=sharing

        Que a técnica esteja sempre a serviço de algo maior.

         Preservar, registrar, guardar. O que é marcar?

 Desde criança morava em Santa Teresa, precisamente na parte alta e dentro da Floresta da Tijuca, na Lagoinha como é chama aquela região do bairro.

 Iniciei meus trabalhos de arte em Santa Teresa, com minha mãe Henriqueta Sanmartin, nessa Lagoinha bucólica afastada do comércio e de vida social e onde morei praticamente a vida inteira.  Desenhava, pintava, bordava, plantava e frequentava museus e a casa dos amigos Maria Lucia Luz, Osmar Fonseca e Rogério Luz.  Todos artistas plásticos.   Deles recebi grandes incentivos pelo convívio quase diário de vizinhos.

Quando comecei a fazer Xilogravura, com José Altino, na Escolinha de Arte do Brasil, em 1969, abriu-se um mundo em minha vida.

Essas matrizes da xilogravura acompanhada da cópia: “Arcanos da Gravura” foram elaboradas em 1999, 30 anos depois.

 O gravar, o cravar, o machucar a madeira, dar-lhe uma nova forma de vida e até poder possuir cópias dessas matrizes, me possibilitou perceber novas riquezas em minha vida. Neste período na Escolinha de Arte do Brasil que ficava na Avenida Marechal Câmera, no Castelo, tive também a oportunidade de estudar desenho, com Abelardo Zaluar e Sergio Campo Bello

Por José Altino fui levada à Marília Rodrigues, em 1971 que percebeu nos meus traços afinidade com a gravura em metal. Frequentei o atelier de Metal sob os seus cuidados, também na Escolinha de Arte do Brasil, até 1976.

 Pará - Gravura em metal: água tinta e buril - 2020 - 21 x 24cm

Nos anos 60, além de desenhar livremente sempre bordei muito; emaranhava-me nos panos de tipos diversos e envolvidos nas cores das linhas puxavam do meu interior os sofrimentos, as angústias, as crises, os medos, as dúvidas e organizava os pensamentos, e deixava surgir ações em formas concretas elaborando seres ou formas do meu imaginário; cores voando pelo espaço do pano. 

Livre bordando posso soltar minha emoção e ver os resultados no imediato, o que não acontece nos desenhos sofisticados e muito menos nas gravuras que são altamente trabalhosas, não só fisicamente como requerendo esperas entre uma técnica e outra, após dias e dias de labuta consigo o resultado final.


Ode ao Carlos Monteiro: Rio de Janeiro  -  Tapete: bordado em linho - 51 x 43cm - 2019 - Foto: Rubber Seabra

Convivi na Oficina de Gravura do Museu do Ingá, Niterói, no ano de 1978,  aonde estudei buril com Mario D´Oglio e gravura com Anna Letycia.

Recebi uma bolsa de Viagem de Estudos da Fundação Calouste Gulbekian de Portugal em 1978, através do Museu do Ingá, o que foi muito enriquecedor para o meu crescimento, pois fiz Litogravura, em Lisboa, na Sociedade de Gravadores Portugueses com Umberto Marçal.

Heloisa imprimindo gravura em 1979 na Sociedade de Gravadores Portugueses em Lisboa,  Portugal.

Nesses anos de gravura, o ato de gravar me possibilita falar dessa vivência cheia de reticências. É um processo de criação com idas e vindas, caminhos e descaminhos.  É uma constante descoberta.

Em 1983, assessorei os arquitetos Sergio Jamel e Marco Antonio Coelho e o engenheiro Julio Niskier, durante um ano no planejamento e montagem da Oficina de Gravura do Sesc Tijuca para criar um espaço onde os gravadores tivessem a possibilidade de realizar suas pesquisas sem se engalfinharem por falta de equipamento e um espaço adequado e assim, realizando suas pesquisas e descobertas.


Heloisa e René Valeriano, professor de Monotipia na Oficina de Gravura Sesc Tijuca entre 1985 e 1989.

É importante falar do local que é a Oficina de Gravura Sesc Tijuca por ter sido planejada para ser um local de se fazer gravura.

Isa Aderne deu aulas de xilogravura na Oficina de Gravura Sesc Tijuca entre 1993 e 1999.

        Desde que fui convidada a planejar o espaço, iniciou-se junto com o historiar Adamastor Camará a elaboração do projeto do livro “Gravura Brasileira Hoje: Depoimentos” com o objetivo de se historiar a gravura no Brasil e com o seu falecimento a historiadora Maria Luisa Luz Távora o concluiu, culminando com a publicação dos três volumes.

Entrevistou-se durante mais de uma década 24 gravadores brasileiros que se dedicaram a gravura, formando gerações de gravadores e marcando com o seu fazer e concluído com a publicação do terceiro volume em 1997.

Heloisa na Oficina de Gravura Sesc Tijuca

Vamos passar o vídeo “Oficina de Gravura Sesc Tijuca” local que trabalhei coordenando por 15 anos até 1999.    

Mas...  O que é gravura?  Como gravar? É todo material que você machucou, arranhou, marcou, esculpiu e que posteriormente possa imprimi-lo num suporte.

No vídeo "A Fibra do Papel"  produzido na Oficina de Gravura Sesc Tijuca, produzido por Inês Cavalcanti e Ernani Ferraz, poderá conhecer um pouco do processo da gravura e do papel:]

                                            https://youtu.be/s8a4R9LAzqI

         A matriz pode ser de madeira, linóleo, eucatex, pedra, cobre, latão, ferro, papelão e outros materiais. Ela é a reprodutora de imagens quando recebe um tratamento específico para a técnica.  Permitindo cópias em positivo ou negativo da imagem no suporte de papel, pano, papiro ou outros.

           O papel moeda é uma gravura.  Existe a matriz da nota de 2 reais que todos nos temos no bolso. Todas as notas dinheiro possuem textura da impressão.

         A gravura pode ser feita diretamente no metal com ponta seca, com buril, roulet ou berceau e outras ferramentas de incisão.

         As gravuras em ácido e com diferentes tipos de mordeduras são feitas para se conseguir resultados na impressão do cobre, latão ou outros materiais.

         Para se conseguir gravar os desenhos, rabiscos, traços, linhas que se queira, coloca-se uma camada uniforme de verniz sobre a chapa e com isso conseguiremos fazer uma água forte.

         Uma água tinta é obtida com breu, sal ou lixa que trabalhadas poderão permitir que se consiga texturas delicadas ou não, mas que com a ação do ácido marcarão o metal.

         A impressão só poderá ser feita caso haja texturas, linhas, sulcos, machucados, rasuras em que a tinta possa penetrar e que sobre um papel previamente umedecido e sobre a pressão de dois rolos passados numa prensa se consiga obter a imagem gravada na matriz reprodutora no suporte.

Cabe à imaginação do gravador obter outros recursos para gravar na matriz as imagens que se pretende obter no suporte que é chamado de Gravura em Metal, Xilogravura, Litografia ou Serigrafia.   

  Assistindo o filme Gravando produzido por Sonia Garcia, em 1999, poderá conhecer os processos que acontecem para se realizar as gravuras:         https://youtu.be/PZi3YhT1FvE

“Alinhavando o Tempo de Heloisa Pires Ferreira”, são os bordados criadores que me acompanham pela vida a fora. 

Vitrine na Biblioteca Nacional  - tapetes Rio Grande do Sol Encanta os Amigos e Ode a Carlos Monteiro: Rio de Janeiro.  No centro a gravura em metal Rio Grande do Sul de 2022.

Tapete - Rio Grande do Sul Encanta os Amigos -Bordado em tecido de linho em 2022 49 x 56cm - Foto de Rubber Seabra

O ato de gravar e trabalhar com as cores das linhas, me possibilita falar dessa vivência cheia de reticências.

Rio Grande do Sul - Gravura em metal: buril e ponta seca - 2022 - 24 x 25cm

Em 2004, apresentei ao público sueco, em Estocolmo: “Gravuras e Bordados”, mostrando essas formas de expressões; o gravar e o bordar intimamente ligados; uma linguagem é o desdobramento da outra.

Heloisa na entrada da Gallery Nytorget 13 em Estocolmo,  Suécia em 2004 aonde expôs 40 gravuras em metal e 30 tapetes

 Passar o vídeo “Constelação” elaborado em 2014, por ocasião da exposição na Biblioteca Mario de Andrade em São Paulo.

Vejo um percurso que sempre andou em busca de um ponto.

O ponto iniciou-se perdido em “elétricos” e passeou pelo espaço contracenando com galhos, pássaros, círculos e encaminhou em direção ao firmamento.  Andou por toda América Latinos e estados brasileiros; ora liricamente, ora chorando o sofrimento desta América dividida, retalhada, partida e até mesmo devastada pelo poder.

 

Elétrico III, gravura em metal: relevo, águas tinta e forte e- 1971 - 25 x 19cm

 

 

Brinco com astros, que se reparte, estilhaçam-se e se embrulham com movimentos em tons e cores. No centro de todo meu trabalho está o sol.  O sol que ilumina a vida. A vida é o próprio universo-(multi)verso).  Ecossistema onde estão envolvidas formas diversas, poéticas de vida. De ser, do Ser que é a Energia Criadora.

Céu - Gravura em metal - 30 x 30 cm - 2007 - água tinta - Foto Elisa Guerra

Preciso da intimidade dos elementos da natureza como forma catalisadora de subsídios que me permitem poder crescer e expressar-me.

Expressar em linguagem o que a natureza esbanja em todos os sentidos e níveis na harmonia do visível e invisível é a minha meta.  E é neste não visto que vou encontrar a fonte de inspiração para poder dizer visualmente deste mundo real que não é visto.

No meu trabalho, as representações estéticas não são para serem olhadas ou enfeitar ambientes, são gritos que buscam se harmonizar e arrancar do caos uma fala que encontre eco nas angústias, torturas, desavenças e incompreensões.  Limpando e clareando os espaços internos e abrindo a visão a outros planos da alma.     

         A fonte de inspiração é o trabalho incessante de esvaziamento de conceitos e fórmulas conhecidas e a busca dos sentimentos arcaicos que falarão dentro do grande silêncio do homem consigo mesmo.

Falar visualmente é mais fácil que verbalmente.  Os encantos de uma grande dor podem ser a causadora de sofridos e belos esboços.  O sofrimento de uma alegria pode ser a decepção de um rabisco estereotipado.

         Os meandros que separam uma verdade da outra qual será?  O que é festa?  O que é tristeza?  O que é alegria?  Aonde encontrar-se? Aonde ir se é preciso ser?  Trabalhando o ir-se e transformando-o em penetrar, invadir sentimentos, arrebentar medos, arrancar dobradiças e mergulhar no grande silêncio em sons, sombras, cores formas e apanhar os tesouros infinitos que me são ofertados pela vida. Pois em torno, no espaço infinito cintilam-flutuam estrelas, formas geometrizantes, pedras preciosas, planos e dimensões da existência.

         Cada forma de vida, por mais simples que seja, é uma pedra preciosa-estrela, que precisa brilhar para iluminar a si mesma e aos demais em uma interdependência cósmica.        

As gravuras estão compostas de cinco blocos:

Gravuras feitas, entre 1969 e 1977, que chamo de primeira fase e que constam de labirintos e pássaros em busca de um ponto.

Elétrico - gravura em metal:  águas tinta e forte - 1972 - 20x15cm.

         Nessas matrizes como na cópia que poderão pegar e sentir  foram trabalhadas em relevo, águas tinta e forte,

A segunda fase o ponto se transforma em sóis; ora sozinhos, ora junto com pássaros e ora somente pássaros. 

Em cada lado, pássaros esvoaçam plumagens, penugens, sugerindo alegria, felicidade, paz.  Dois pássaros, os dois lados de todos nós. O lado interior e o lado exterior.      

Vento, sopro, respirar.  Ar puro

Essa matriz em buril e água tinta acompanhada com a cópia pertenceram a esse período entre 1978 e 1982

Narciso - Gravura em metal : buril e água tinta - 1979 - 20 x 30cm - Foto:  Henry Stahl

        O terceiro momento da minha obra chora a morte da cultura da América Latina, através de seus mapas. 

        Neles, entre 1983 e 1989, falo da preocupação com essa América Latina e esse país em que vivemos; tão dividido, dilacerado e sofrido.

Creio que poderão compreender bem o que se passa em meu interior contemplando a confusão causada pelo poder do dinheiro e a ausência deste dinheiro em nosso povo. 

A Gravura “Espaço Devastado” de 1988, cujas matrizes acompanhadas da cópia, encontram-se na vitrine.

Espaço Devastado - Gravura em metal: buril e água tinta - 1988 - 30 x42cm - foto:  Henry Stahl

Entre 1990 e 1997 há a esperança vista nos trabalhos através da plasticidade e delicadeza de suas feituras que a sensibilidade seja uma saída para que a verdade balance o interior de cada ser e se compreenda que a felicidade de cada ser está também na felicidade de seu próximo.

Manuseiem a matriz da gravura Pará que se trata de um buril com águas tinta e forte acompanhada da cópia.

 

Pará - Gravura em metal - 2006 - 21x24cm - Foto  Rubber Seabra

Divido em três etapas esse meu trabalho: em primeiro lugar uma visão total ou parcial da América e até mesmo uma divisão de países formando outros mapas. Em segundo lugar, homenageio os países da América Latina falando de suas mortes, seus sofrimentos, suas devastações, suas perdas de valores e, em terceiro lugar, exploro diversos sóis que vêm como forças poderosas que podem alterar toda essa forma de se viver do momento presente.

Argentina - Gravura em metal:  águas tinta e forte - 1988 - 20 x 30 cm  Foto: Henry Stahl

Podendo ver algumas dessas gravuras, terão uma visão do porque me dediquei, por mais de uma década, ao trabalho de despertar interesses em pessoas que quisessem fazer gravuras.

E esses últimos períodos de trabalho entre 1998 e 2022 trabalho sóis e estados brasileiros em momentos de esperança e alegria. 

Em todos os períodos da expressão gráfica como nas outras formas de expressão foram sinalizadas e se  misturam e aqui hoje só trago as gravura se os bordados que poderão contemplar nas vitrines

No estado atual das gravuras encontramos constelações, meteoros, nebulosas ou detalhes do sistema solar e ora surgindo um mapa ou outro.

Honduras - Gravura em metal: águas tinta, ponta seca  e buril - 2013 - 30 x 30cm - Foto: Rubber Seabra

Essas são o acervo: as marcas, os registros e os guardados de

Heloisa Pires Ferreira

    Rio, 02/10/2024.

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